- E então, vamos sair hoje?
- Acho melhor não.
- Por que não? Se já fizemos outras vezes, e foi bom...
- ...
- Quero ficar dentro de você. Você de quatro. É uma dívida que tem comigo.
- Dívida?
- Sim, já postergamos isso tantas vezes... Não me leve a mal, você me fez gozar, a gente se pegou e tal. Mas o algo a mais, eu dentro, somente ficou no reino das palavras soltas. Não, não faz essa cara. Ok, foi algo idiota esse "reino das palavras soltas", mas é bem isso mesmo: quero meter, você sempre me instigou, mas parece fugir toda vez que a chance se aproxima.
- Sim, eu fujo.
- Por que?
- Tudo precisa ter um motivo? Já me conhece, o que por si só seria suficiente para não me fazer esse tipo de pergunta.
- Engana-se. Sei dos teus temores e os respeito até certo ponto, mas, definitivamente, não os compreendo. É uma pessoa muito complicada.
- Se sou uma pessoa complicada, afaste-se então. Nosso acordo, desde o início, era de que nos encontraríamos enquanto fosse bom para ambos. Para você ainda é, já que pensa com o pau e seus pensamentos dissolvem-se em porra. Mas, para mim, não dá mais. E pare de sorrir. Não pense que te amo, eu sempre deixei claro que amar é difícil, e que meu amor é dissociado do tesão. Não, não te amo. E vou confessar ainda algo: sempre que nos encontramos, depois, sinto uma repulsa terrível por sua pele, seus dentes, a textura das mãos.
- Está sendo grosseiro. Se não quer entrar em contato com o que é, não me ataque. Você complica demais as coisas e não acho que...
- O que você sabe sobre mim, a não ser algumas preferências sexuais?
- Sei o que me diz. Sei que não se gosta.
- É mais que isso. Há dias que não me suporto. E há dias em que me conformo, e isso é bom. Pois aí caminho com um mínimo de ânimo conformado e dou conta do necessário.
- Insisto: por que não? Deus?
- Também.
- E?
- E o amor. O outro oposto. As duas coisas que não consigo atar.
- Então, há um amor...
- Sim, há, mas não se preocupe. Ele nunca saberá. E, sabendo talvez, não poderia dar-lhe sequer algo próximo de um relacionamento.
- Bom, ao menos comigo você tem contato e temos um pouco de química, apesar da repulsa que diz sentir. Repulsa, aliás, que não impediu alguns boquetes maravilhosos.... Ah, viu? Consegui arrancar um sorriso dessa boca linda.
- Minha boca não é linda, eu não sou lindo. E sei que diz isso para todos que quer comer.
- Pare com isso. Não é assim. Sabe que não reprimo meus desejos, fato. Mas não sou um "piroca-doida" sem critério. Tenho minhas preferências, e mesmo dentro de tais preferências, tem que rolar química. Isso temos, não? Pois é. Cara, é algo natural pessoas se desejarem, e tão natural quanto se procurarem quando querem transar.
- Meu desejo é caótico.
- Sim, você é caótico. Fica se prendendo a determinados conceitos de si mesmo, se aferra a eles e não permite que pessoas toquem. Não se permite mudar de opinião a respeito do que é, de suas qualidades, seus defeitos.
- Ok, se pensa assim.
- Sim, penso. E sinto muito, mas assim vai me afastar e aos demais.
- Se o caminho é esse.... estou tentando mudar.
- Como?
- Pensando no amor e acreditando que, quem sabe, um dia pode acontecer.
- É pouco.
- Pode ser pouco pra você, sempre tão desprendido e resolvido. Sabe outra coisa? Detesto gente resolvida e cheia de si. Normalmente, quem é resolvido esqueceu da bosta que um dia foi e que ainda é em essência. E outra coisa: se quer se afastar, afaste-se.
- Meu Deus...
- Sem essa. Suma. Vai satisfazer seu desejo em qualquer esquina, há muitos que querem o mesmo que você - gozar, gozar! Portanto, tenho certeza que encontrará por aí. Suma. Eu te odeio.
- Você é louco.
Foi-se.
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